Arcana Unearthed


Um dos livros mais aguardados do mundo d20 foi o Arcana Unearthed. Segundo seu autor, Monte Cook, a terceira edição do D&D agradou centenas de milhares de jogadores ao redor do mundo. Mas ele acha que há pessoas que estão cansadas de jogar em uma ambientação “tradicional e rotineira”, cheia de elfos, anões, guerreiros e magos. O que ele propõe então? Um novo Livro do Jogador, com a mesma apresentação do original, com novas raças, classes, talentos, magias… Legal não? Porém, permita-me discordar.

Arcana UnearthedPosso ser queimado em praça pública por isso, mas estou começando a achar o rapaz um pouquinho arrogante por se achar capaz de melhorar algo que faz sucesso há 30 anos. O trabalho dele no d20 foi em conjunto com dezenas de outros profissionais, e a única razão do nome dele estar mais visí­vel é porque ele era o “chefe de projeto”. E por baixo de todo “chefe de projeto” há vários desenvolvedores e trabalhadores que ralam pra caramba pro chefe levar a fama e a fortuna. Não quero dizer que o Monte Cook nao é competente, longe disso, mas que há um hype ao redor do nome dele, isso há.

Em primeiro lugar, quem não se lembra das trocentas ambientações que a finada TSR lançou na década de 90? Birthright, Dark Sun, Ravenloft, Al-Qadim, Dragonlance, Spelljammer… Cada uma delas tinha exatamente o mesmo objetivo, oferecer aos jogadores de AD&D opções ao “tradicional” jogo de espada e magia. Você podia jogar com meio-gigantes, nobres com sangue mágico, imitadores de alladim. Você viajava no lombo de dragões, no comando de espaçonaves mágicas, tapetes voadores. Isso não era diferente o suficiente? Não havia alternativas ao “entediante” e “antiquado” estilo dos “chatos” Forgotten Realms e Greyhawk? Pois é, quais foram as duas ambientações que a Wizards of the Coast resolveu manter quando lançou a terceira edição? Além dos jogos da própria TSR, quantas outras ambientações alternativas não existem por ai nas mãos de outras editoras? Exalted, Seventh Sea, Ars Magica, Legend of the Five Rings, Earthdown, Deadlands, Amber… são inúmeras as ambientações que fogem desse esquema de elfos e magos. Quantas delas chegaram perto do sucesso do AD&D?

Vamos ser honestos, claro que há um público consumidor que gosta desse tipo de coisa. Sempre há aquele cara que se amarra em jogar com gigantes, homens-leão, homens-dragão, fadas, akashics, greenbonds, totem warriors e unfettereds. Tanto que o sistema d20 tem uma coisa chamada classes de prestí­gio, e recentemente foi lançado um livro chamado Savage Species. Também é por isso que duas em cada uma editora que entrou na onda do d20 já lançou ou pensou em lançar livros com classes e raças alternativas. Eu mesmo recentemente criei um personagem ghaele (uma espécie de anjo dos elfos) e estou me divertindo com ele. Mas o resto do grupo é composto pelos “tradicionais” elfos, magos e guerreiros.

Para entender de onde vem essa fixação pelas ambientações clássicas, precisamos apenas mencionar uma única palavra: Tolkien. Foi ele e o seu Senhor dos Anéis que começou isso tudo. Seu mundo tem elfos, anões, guerreiros, magos, rangers, hobbits, dragões e todos os elementos de um clássico rpg de fantasia. Não poderia ser diferente, pois o rpg foi criado para se jogar exatamente em um mundo como esse. Muito tempo depois o potencial dessa idéia foi compreendido, e hoje temos desde jogos de Star Wars até Buffy, a caça campiros. Mas o campo primordial do rpg é e sempre será a fantasia medieval. Por isso temos milhões de jogadores correndo para ver cada um dos filmes de Peter Jackson. Nenhum deles reclama que Tolkien é “chato” e “tradicional”, que seria muito legal se Aragorn na verdade fosse de uma raça meio-lesma, meio-samambaia, com habilidades psico-etéreas, ou que os poderes mágicos de Gandalf fosse energizados por estranhas runas que devem ser traçadas no ar com varinhas feitas da própria essência da qual é feita o universo. Aragorn é maneiro porque é um ranger humano, e o Gandalf poderoso porque é um mago tradicional, com chapéu pontudo, bastão e tudo mais.

Ao propor o lançamento de um novo livro, com novas raças, classes, magias e tudo mais, Monte Cook não está fazendo nada que qualquer outra editora de RPG do passado não tenha feito. Está inventando um novo mundo onde os habitantes são diferentes daqueles da Terra Média, e possuem poderes diferentes daqueles do pessoal da Terra Média. Tanto que Arcana Unearthed não pode nem ser considerado d20, pois altera certas regras básicas que o desqualificam a ser categorizado como tal. Arcana Unearthed não poderá ter o selo do sistema d20.

Arcana Unearthed na verdade se encaixa na mesma categoria daqueles rpgs de outras editoras que não a WotC, como o Lord of the Rings da Decipher ou o Legends of the Five Rings da AEG. Mas pelo menos as outras editoras tiveram o mérito de criar um sistema de jogo próprio, algo que Monte Cook não fez. Ele simplesmente pegou o sistema d20 e alterou aquilo que achava “falho” ou “fraco”, adequando aos seus próprios conceitos de qualidade e jogabilidade. Arcana Unearthed não passa de uma compilação de “regras alternativas” para o sistema d20 que nem mesmo pode usar o nome do sistema d20 ou fazer alusão a ele, usando apenas a Open Gaming License.

Portanto, quando encontrar este produto na prateleira de sua loja de rpg preferida, de uma boa folheada e pense duas vezes se vai realmente querer mais um livro com regras alternativas acumulando poeira em sua prateleira. Dica de alguém que tem o Call of Cthulhu e o Dragon Lords of Melniboné, mas que desde o lançamento do novo D&D só jogou Forgotten Realms porque acha muito mais divertido.


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