Quando o assunto é escrever quadrinhos, Warren Ellis sofre de dupla personalidade. A primeira é altamente competente que eleva a narrativa a novos patamares, expandindo e, em alguns casos, reinventando o que significa ser um herói. A segunda é uma fábrica de quadrinhos, capaz de vomitar histórias que fazem o seu trabalho mas não se distinguem da revista mediana que povoa as prateleiras das lojas especializadas. Em Desolation Jones, sua nova série regular para a Wildstorm, o primeiro Ellis se faz presente, criando o que é certamente a mais bizarra e madura publicação da linha da editora.
O bizarro está na atmosfera geral da primeira edição. Jones é um ex-agente do MI6, agência do serviço secreto britânico, que caiu em desgraça e é incapaz de fazer trabalho de campo novamente devido a seu mau comportamento, que, em grande parte, é movido pelo alcoolismo. Mas o serviço secreto não quer se livrar dele imediatamente. “O MI6 tem muitas alternativas disponíveis para um agente que não pode mais executar trabalho de campo,” informam a Jones. Uma dessas alternativas é o Teste de Desolação, cujos detalhes não são revelados até o final da edição. Nada disso é realmente bizarro. A estranha realidade se torna evidente quando conhecemos Jones no presente, um homem carcomido, incapaz de ficar exposto í luz do sol, incapaz de dormir, membro de uma comunidade secreta de ex-agentes governamentais aposentados residindo em Los Angeles. Já que cada um desses indivíduos é imune í s leis convencionais, a “comunidade” precisa de um investigador para lidar com os problemas entre seus membros. Este investigador é Jones, chamado de Desolation Jones pois é o único sobrevivente do Teste de Desolação. Em seu primeiro caso precisa encontrar material pornográfico roubado de um membro muito rico, e muito doente (em mais de uma maneira) da “comunidade”. O que faz dessa pornografia tão especial é que foi feita pelo próprio Adolf Hitler.
Tudo que é descrito é definitivamente bizarro, exacerbado pela arte de J.H. Williams. A pornografia de Hitler me leva então a natureza mais madura de Desolation Jones. Esta primeira edição é repleta de conotações sexuais, tanto implícitas quanto explícitas. As mais óbvias são as referências a pornografia, incluíndo bukkake e sadomasoquismo. Menos óbvio mas ainda presente é a sexualidade das personagens femininas. Robina é jovem e agitada, com roupas justas e uma atitude festeira. Angela, uma das filhas do ricaço, é uma mulher de negócios e aparentemente fria, apesar de sua curtíssima saia e grande decote mostrem um turbilhão de desejo fervendo logo abaixo da superfície. Está tudo ali na forma como estes personagens são retratados, suas roupas, sua postura, seus olhos.
Isso me leva í arte de J.H. Williams III, o homem responsável por dar vida í visão de Alan Moore em Promethea, e mais recentemente pela primeira edição de Seven Soldiers, de Grant Morrison. Williams é o tipo de artista que se destaca na multidão. Seu estilo é facilmente reconhecido, mesmo que alguns elementos mudem de projeto para projeto. Promethea é lírico e belo. Desolation Jones é sombrio e perverso, como se tudo e todos em cada painel precisasse de um banho. Esta é a atmosfera que Ellis concebeu. Williams a torna concreta.
J.H. Williams nunca deixa a peteca cair. Ellis é um pouco menos consistente. Quando ele assume a identidade de competente quadrinista, cria marcas históricas como The Authority e Planetary, ou nos oferece experiências intrigantes como sua linha Apparat. Quando é a fábrica de quadrinhos, produz coisas como Ultimate Nightmare e Ocean, histórias que fazem seu papel mas não desafiam o leitor ou a mídia. Ao ler essas revistas, você tem a impressão que Ellis as criou e pode criar muitas outras similares, nas poucas horas de trabalho de verdade como Desolation Jones.
por Chad Boudreau
Publicado originalmente no site Comic Readers
Desolation Jones #1
DC Comics / Wildstorm
Escritor: Warren Ellis
Desenhista: J.H. Williams III