Blacksilver (parte 2)


Corria sorrindo por entre as árvores de Arvandor sem perturbar sequer uma das pequenas fuinhas que procuravam na relva por sementes das imponentes árvores que ali existiam desde o princí­pio dos tempos. A noite estava agradável, como sempre nos domí­nios da Corte dos Seldarine, e os grandes vaga-lumes formavam fantásticas constelações eternamente em movimento sob as altas copas de folhas dos mais diferentes tons de verde.

Quem o visse passar, tão rápido, facilmente o confundiria com um elfo. Porém um alto e imponente membro da bela raça. Um pouco mais de atençao revelaria seus olhos perolados e a leve aura brilhante ao redor de suas formas esquias e elegantes. Vestia-se com uma leve túnica verde, pés descalços e uma espada pendendo de sua cintura presa ao corpo por uma fina corrente. Prendendo seus cabelos negros como a própria noite uma pequena jóia de prata no formato de uma lua crescente.

Blacksilver era um Ghaele, cavaleiro dos Eladrin, servo fiel de Corellon Larethian. Seu nome não era cantado pelos bardos élficos que se juntavam ao seu mestre imortal nas grandes festividades que se realizavam todas as noites em cada uma das infinitas clareiras onde os Seldarine e seus súditos se reuniam para celebrar a alegria e a felicidade. Poucos sabiam de seus feitos heróicos pois, seguindo a natureza de seus iguais, lutava pelo bem ajudando os heróis em seus momentos de maior necessidade, sempre se mantendo nas sombras do anonimato e abdicando do crédito para que os mortais continuassem a se dedicar com cada vez mais fervor í  luta contra a maldade. Em nenhum momento sentia falta do reconhecimento ou de seu nome nos versos dos trovadores. O Protetor sabia de seus feitos, e isto era suficiente.

Naquele momento voltava de mais uma bem sucedida empreitada, salvando da morte por veneno no último instante um jovem elfo que no futuro lideraria seus irmãos em uma grande cruzada para retomar as terras ancestrais de seu povo. Seu próximo destino já lhe era conhecido, um grupo de aventureiros que procuravam uma relí­quia vital para a destruição de um terrí­vel culto de mortos-vivos. A tumba onde a relí­quia havia sido guardada eras atrás estava protegida por inúmeras armadilhas, e muitas delas estariam fortuitamente desarmadas quando os cinco paladinos por elas passassem.

Perdido em seus pensamentos, apenas sentiu a presença de olhos que acompanhavam sua jornada quando se aproximava de um cristalino riacho. Parando subitamente, olhou em volta procurando a fonte da estranha sensação. Por entre as árvores avistou uma pessoa envolta em uma capa negra. Sob o capuz dois olhos penetrantes o fitavam, o pesar daquele olhar forte demais para que conseguisse manter seus olhos fixados em tão desgostosos poços de angústia e raiva.

Sentindo um calafrio, Blacksilver reconheceu aquele que o observava. O Arqueiro Negro. O Caçador da Noite. Todos conheciam a história de Shevarash. Um dos únicos sobreviventes do massacre de um encontro entre anões e elfos perpetrado por drows e duergar, fez uma promessa a Corellon de jamais sorrir enquanto Lolth e todos os seguidores daquela que um dia se chamou Araushnee não fossem destruí­dos. Por centenas de anos lutou e matou incontáveis elfos negros, até que tombou em combate e ascendeu í  imortalidade para continuar inspirando o ódio contra seus maiores inimigos. Como Corellon permitia tal sede de vingança o Ghaele não conseguia compreender, mas não cabia a ele questionar as decisões de seu senhor.

Os dois permaneceram imóveis por vários instantes, Blacksilver se sentindo observado pelo deus, mas não ousando retornar o olhar. Quando a sensação de angústia abandonou o ar ao seu redor, olhou novamente por entre as árvores e viu que o Seldarine havia partido. Percebeu então que os vaga-lumes haviam contido seu brilho, e a brisa cessado como que com medo da rancorosa divindade, mas que agora voltavam a se mostrar vivos e alegres. Voltando a correr, agora mais rápido, em direção ao portal que lhe transportaria até Faerun, não conseguiu parar de pensar no súbito encontro com Shevarash. O pesar nos olhos do Seldarine estava gravado em sua mente, e certamente dali não sairia por muito tempo.

Atravessou o espelho d’água com um pequeno salto, e sentiu o peso do corpo ser anulado por breves segundos enquanto passava de um plano para o outro. As estrelas de Toril substituí­ram os vaga-lumes e o vento frio e cortante deixavam claro que não estava mais em Arvandor. Olhando em volta para marcar a posição exata do portal, transformou-se em uma esfera de luz e singrou os céus de Faerun em direção ao norte. Em breve estaria na tumba, e seus afazeres talvez ajudassem a deixar para trás o agourento encontro.


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